sábado, 27 de março de 2010

Um ruído muito chato

Lembra quando você falou que não suportava teatro porque não suporta texto declamado e, pior ainda, mal declamado? Pois é... foi ontem no SESC da Esquina, onde a companhia paulista Auto-Retrato encenou O Ruído Branco da Palavra Noite.

Em cena, um grupo teatral propõe formas de montar peças do russo Anton Tchékhov, dos clássicos Tio Vânia e As Gaivotas. Antes que alguém da plateia acuse “você não entendeu a metalinguagem”, friso que há excesso de diálogos discursivos quando a ação, na peça dentro da peça, sugere naturalismo. Só isso em si já seria um baita pecado.

Há, porém, outro porém: o excesso de alternâncias, ainda que escoradas pela equação encanto pela obra + ensaio + representação, causa um anda pra lá e pra cá de um espetáculo que não sabe para onde ir.

Fique à vontade para falar que “a peça não quer ir a lugar algum, só absorver Tchékhov“. Respondo com um alívio: acabou!

O Ruído Branco da Palavra Noite, da companhia Auto-Retrato, de São Paulo, foi apresentada nos dias 25 e 26.

sexta-feira, 26 de março de 2010

Terapia de !Runners dá alta para o público

Uma moça tímida, um rapaz agressivo, um iniciante e egocêntrico escritor (algum não será egocêntrico?), uma pálida filósofa e um estudante de medicina (mal) casado com uma gostosa (que chegou mais tarde), eu e outros calados. Todos em torno do analista. Assim foi a sessão de !Runners, ontem no Espaço Cênico. Como será hoje não sei, pois esta peça (ou terapia?) apresentada pelo grupo carioca Proposta A6, assinada por Cristina Teixeira, abre espaço para novos participantes.

A roda é de uma conversa no palco, sem paredes ator-plateia. Misturado ao elenco, o público desconhece no início quem ali vai representar. Há um texto, uma linha já traçada, mas o jogo de !Runners explicita uma brecha: se algum espectador tomar à frente, falar de si, os atores "reais" vão (e terão que) aturá-lo.

A desconfiança de que !Runners limita-se a uma peça teatral disfarçada de terapia é enterrada com nada previsível reviravolta de papéis. Ontem, não sobrou um porto seguro. Mais eu não conto. De !Runners periga você receber alta de um ótimo grupo de atores (a começar pelo “analista-condutor” Marcio Augusto) e constatar que, por mais real que seja, a confissão em público é também um teatro.

!Runners tem sessões hoje (27, 15h) e amanhã (28, 15h) no Espaco Cênico (Paulo Graeser Sobrinho, 305 - Mercês).

quinta-feira, 25 de março de 2010

A maldição ou como fazer teatro de bonecos sem bonecos. Funciona!



A Cia Nuvem da Noite transformou A Maldição do Vale Negro, texto do Caio Fernando Abreu e Luiz Arthur Nunes (já encenado com sucesso, Camila Pitanga e Marcos Breda), num teatro de bonecos sem boneco algum. E não é que funcionou, minha gente? No final das boas contas, a maldição ganhou cara infantil, sem perda do conteúdo adulto. Mais explícito: é "infantil", mas não leve as crianças.

“Teatro de bonecos sem boneco?” Tentarei descrever: num cenário de fundo preto, todos os atores usam malha preta; colado às malhas, as coloridas e pequenas vestes dos personagens. Não se fui claro (a foto acima explica melhor), mas tive realmente a sensação de ver bonecos no palco.

Agora, do que se trata: no século 19, um conde francês acolhe em seu castelo uma jovem órfã; adulta, ela será cortejada por um duque, para tormento do conde, e viverá, no meio do mato, encontros e desencontros típicos da telenovela que você acha ridícula.

Entre tragédias, comédias e uma trepada dos bonecos, um simpático vovô atua como narrador no canto do palco. Gostaram, crianças?

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Quero destacar o casal de ciganos, mas não sei os nomes dos atores. Vou me informar e depois incluo no texto.

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A Maldição do Vale Negro, da Cia Nuvem da Noite, de Ribeirão Preto-SP, foi apresentada na Casa Hoffman, entre os dias 21 e 24 de março.

quarta-feira, 24 de março de 2010

BarbAzul: selvagem com graça e guitarra

O teatro Belo Horizonte tem o dom dos bons duetos de atores (vide Vestido - Bandeira - Batom, aqui visto em 2008, entre outros). A boa nova a dois é BarbAzul, do grupo Andante, que recria com originalidade o Barba Azul, que o contista francês Charles Perrault inventou no século 17.

“Tudo certo como dois e dois são cinco”, a canção de Roberto e Erasmo Carlos, abre na voz de Ângela Mourão e na guitarra de Beto Militani. Encerrada a canção, o duo Ângela e Beto finge impregnar um ar classudo-chato à história (confesso que temi...) até que a atriz interrompe e sugere outra forma de contá-la, como a dizer "assim não vai!". Maravilha!

Pra quem chegou agora: a irmã caçula é cortejada por Barba Azul, cujo esporte é cortar a cabeça de suas mulheres. Não fique chocado. Há muita graça aqui. A melhor é narrá-la como uma fábula remota de florestas e castelos e mostrá-la como um filme atual: quando sedutor, jazz ao fundo, Barba oferece jantares e vestidos à mais uma que tardará a perceber que “dois e dois são cinco”.

Bons constrates partem dos objetos de cena, carregados pelos atores: a moldura que funciona como porta ou janela é também a forca. A enorme molho de chaves ao ser arrastado é a incômoda corrente. E, na última boa ideia, este BarbAzul deixa o final em aberto. As mulheres que respondam se ele ainda age na floresta.

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BarbAzul, do grupo Andante, foi apresentada nos dias 23 e 24 no Teatro Novelas Curitibanas.

Além d'As Meninas, uma mãe errante e... Clarisse Abujamra brilhante!

Como em qualquer transporte de um livro para o teatro, há uma traição em As Meninas. Permanecem as três moças, o cerne do clássico de Lygia Fagundes Telles. Porém, nesta adaptação escrita por Maria Adelaide Amaral e dirigida por Yara de Novaes, há mais luzes sobre uma quarta personagem: a errante mãe, que a atriz Clarisse Abujamra vive com baita acerto. Bem vinda traição!

Tensões e incertezas são bem levadas por Luciana Brites, Silvia Lourenço e Clarissa Rockenbach, respectivamente a modelo viciada em drogas, a ativista política e a boa aluna, que vivem num pensionato durante o período mais brabo do regime militar, a virada dos anos 60 para os 70. Somam-se as já citadas, Tuna Dewk veste a freira, que teme ver um Brasil comunista, e Júlio Machado sustenta três personagens: é namorado de uma, amante de outra e o apaixonado pela virgem.

Como fiel retrato desta conturbação, o cenário é escuro, com cadeiras pretas nas laterais, que servem às personagens extremadas. O raio de claridade são as cadeiras brancas, coerentemente no centro do palco, onde a certinha atua como ponto de equilíbrio.

Mas eu destacava Clarisse Abujamra, o brilhante de As Meninas. Ela é viúva que banca os caprichos de um garotão, incluindo uma agência de propaganda. Os lamentos da madame vêm como um solo cômico-dramático que escancara o ridículo da personagem sem impedir que o público a olhe com compreensão. Olhar, aliás, que o romance de Lygia pede o tempo todo. E que, no palco, é bem respeitado.

As Meninas tem sua última sessão nesta quarta (24) no SESC da Esquina (Visconde do Rio Branco, 969). Ingressos a R$ 45 e R$ 22,50.

terça-feira, 23 de março de 2010

O carisma de Ary Coslov no sarcástico Produto

Cineasta propõe roteiro à bela atriz, que ele considera de segunda linha. Assim começa e termina Produto, texto do inglês Mark Ravenhill, interpretado por Ary Coslov e Gabriela Munhoz, sob direção de Marcelo Aquino. Não há muito o que falar, mas há muito para rir nesta comédia.

Duas poltronas vermelhas de escritório compõem o cenário. Basta. O resto é com a voz, o carisma e os passeios do ótimo Ary pelo palco e com as espantadas caras e bocas de Gabriela. Como só ele fala, o público vê um “monólogo a dois”.

O cineasta julga que sua história é superior aos filmes B que celebrizaram a atriz, que ele só recebe por imposição dos produtores. Durante uma hora, ele apresenta o roteiro, recheado de romance e com pitadas de terrorismo. O sarcasmo do texto de Ravenhill é que o intelectual soa mais ridículo e inseguro e mais próximo ao melodrama chinfrim do que a imagem que ele faz da moça.

Vale a pena comprar este Produto.

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Produto. SESC da Esquina (Visconde do Rio Branco, 969). Dias 21 e 22, às 21h. Ingresos a R$ 45 e R$ 22,50.

Apesar da dispersão... ninguém escapou da boa Vida

Eles falam das estrelas, de sonhos, da maravilha que é alguém de um extremo do planeta ser ouvido em outro extremo e daquela senhora que seca lenços de papel para (ugh!) reutilizá-los. Eles cantam em inglês, em polonês e também parabéns. Numa alegre desconexão, Rodrigo Ferrarini, Giovana Soar, Ranieri Gonzales e Nadja Naira falam sobre e praticam algo que chamamos de vida. Agora, entendo porque Vida é o nome desta peça, a nova da curitibana Companhia Brasileira de Teatro.

O programa informa que o texto assinado por Márcio Abreu, também diretor, é inspirado na obra de Paulo Leminski e em algumas das preferências do poeta (Solda, Maiakovski, Bashô, Mishima, Cortazar, Joyce). Esqueça o programa e divirta-se sendo fiel ao lema de Leminski, fixado no palco: “Distraídos Venceremos.”

Dois terços de Vida ocorrem numa sala sem janelas e decorada apenas com um mapa-mundi. Nela, Ferrarini parece um daqueles divertidos professores de cursinho, Giovana é a tradutora que traduz até o desnecessário e Ranieri, o cantor e a cantora.

Vida é de uma leveza sem fim, o que até causa um incômodo: o da peça que não sabe acabar. Na meia hora final, Ranieri exibe os porques de suas tatuagens, Geovanna ganha bolo de aniversário, a luz acende e apaga e vem outro problema: só depois de tamanha dispersão, patrocinada pelo fato de que os atores usam seus próprios nomes, como quem diz "não sou um personagem”, é que Nadja Naira, outrora quase calada (“voce não vai falar nada?”, provoca Giovana), tem sua fala mais longa. Ela diz algo, mas depois de tanto dispersão... o que ela falou mesmo? Mas agora que a peça vai acabar? Por que não falou antes?

“Alguém escapou?”, é a pergunta repetida no texto. Ninguém! Apesar da dispersão final, saí com sensação de boa vida. E não escapo de afirmar quem entre Ferrarini e Ranieri o melhor não é um deles. São os dois!

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Vida, da Companhia Brasileira de Teatro, de Curitiba, foi apresentada entre os dias 19 e 21 de abril no Teatro José Maria Santos.

segunda-feira, 22 de março de 2010

Uma Curitiba surreal e trágicômica com verve radiofônica

Há várias Curitiba, disse alguém (ou alguéns). Na Verdade Não Era, texto de Luiz Felipe Leprevost, prefere a das putas do Gato Preto, a dos hotéis de atendentes com varizes, a do edifício Tijucas, ícone da XV, descrita como a "rua dos pinguins sofridos", e funciona se fosse um encontro de Dalton Trevisan com Quentin Tarantino.

No teatro, esta tragicomédia de surrealismos é narrada sem artifícios que desviem o espectador do texto. Ponto para a diretora Nina Rosa. Bastam as atrizes, cada uma com um banquinho, um vestido que encobre os cabelos e uma cor: vermelho, azul e branco. No todo, um conjunto que bem contrasta com o fundo preto.

Se o figurino e cenários servem ao gosto da cliente sofisticada, o conteúdo pode incomodá-la. Na primeira história, uma jovem larga um feto no ônibus. Na segunda, aquela noite no Gato Preto incomoda o detetive.

O que há de engraçado? Tragédias e urgências são descritas como se a verborragia típica do rádio policial, que acentua a desgraça repetindo-a, frequentasse uma descompromissada conversa de manicures. Seja na repetição, seja no relato corrente, se sobressai a atriz Ciliane Vendruscolo (a de azul).

Só o que trava Na Verdade Não Era é a forma como se costuram as histórias no final. Opta-se por um solo da atriz e cantora Uyara Torrente que, ao anunciar que é o "epílogo", repete informações já sem o charme radiofônico. Mais breve, este fecho-desabafo casaria melhor com o rock assinado por Leprevost.

Na Verdade Não Era, montagem do Teatro de Ruído, de Curitiba, tem sua última sessão hoje (22, às 18h), no Teatro da Caixa (Conselheiro Laurindo, 280). Ingressos a R$ 20 e R$ 10.

Há Um Crocodilo..., o encanto das bonecas coloridas e cheias de desencanto


Dóceis na embalagem, amargas no conteúdo, duas bonecas encantadoramente coloridas (uma de verde, outra de rosa) anunciam o desencanto em Há um Crocodilo Dentro de Mim, peça criada a seis mãos, pela diretora Silvana Garcia e pelas atrizes Amanda Lyra e Maria Tuca Fanchin.

As personagens revelam mais que um crocodilo. Povoam o diálogo metáforas com lobo, macaco, cavalo, presentes também em formas de objeto. Desta conversa espere um zoológico, mas jamais um ser humano (ou desumano, como querem as bonecas). O encontro com este é algo a ser evitado, a reprodução deste é algo a ser morto num balde, uma das peças deste cenário sem luxo (acompanham duas cadeiras sem assento, uma velha geladeira e um painel de isopor).

Só não fica claro a relação disto tudo com a história de grandes edifícios, como o das torres gêmeas de Nova Iorque, anunciados por Amanda, que faz da geladeira um palanque e eu faço aqui um infame trocadilho: o palanque da geladeira dá uma gelada na história.

Abre a peça um filme quase preto-e-branco do concreto da metrópole (São Paulo). Só as bonecas têm cores. No palco, a distância entre o texto (amargo) e o figurino (colorido) caminha, apesar dos pesares, para um belo encontro.

Há Um Crocodilo Dentro de Mim, montagem do grupo Conteúdo, de São Paulo, foi apresentada entre os dias 17 e 20 no Teatro Universitário de Curitiba (galeria Júlio Moreira).

domingo, 21 de março de 2010

Sem Concerto, com o aplauso do Gustavo


Gustavo tem dez anos, mora e estuda perto do Parque São Lourenço e não sabia que há um festival de teatro em Curitiba. Porém, sábado passado (20), ao notar que haveria espetáculo no teatro do parque (o Cleon Jacques), ele correu pra lá e ainda arrastou seu irmão, de onze anos.

O piá não pronuncia termos como “nonsense” ou “metalinguagem”, coisas que o duo Circo Amarillo pratica com diálogos, malabarismo, mímica e música. Mesmo sem tal vocabulário, Gustavo e seu irmão riram à beça com as trapalhadas dos artistas que conseguem gravar o “único e último disco” (de vinil), que logo quebra (ó, coitados!), e tentam se apresentar sem ser interrompidos pelo celular (de ambos).

Os “amarillos” são ótimos e têm uma boa notícia para os amigos e parentes do Gustavo e até para quem nem o conhece: Sem Concerto, o tal espetáculo, fica até sábado (27) no São Lourenço. O Gustavo aplaudiu de pé!

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Sem Concerto, criação do Circo Amarillo, de Rio Cuarto-Argentina. Teatro Cleon Jacques (Parque São Lourenço). Até o dia 27 (18h). Ingressos a R$ 30 e R$ 15.